terça-feira, 19 de outubro de 2010

A alma da ciencia - Nancy Percey/ Charles B. Traxton




Li , amei, e gostei ainda mais da resenha feita por Valdeci da Silva Santos, por isso coloquei na integra seus comentários sobre essa obra riquissima.



PERCEY, Nancy R. e THAXTON, Charles B. A alma da ciência: fé
cristã e filosofia natural. Trad. Susana Klassen do original The soul of science.
São Paulo: Cultura Cristã, 2005. 348 p.
A alma da ciência pode ser considerada como um passeio turístico sobre o
processo histórico das pressuposições filosóficas por trás da pesquisa científica,
a partir do Iluminismo. Os dois autores do livro, Nancy R. Percey e Charles
B. Thaxton, são participantes ativos de um diálogo antigo e abrangente entre
as comunidades científica e religiosa, que busca examinar a interação (ou a
falta da mesma) entre os pressupostos científicos e teológicos. Percey é uma
escritora renomada desde 1977, cujo interesse maior parece estar em assuntos
relacionados ao desenvolvimento (ou fortalecimento) de uma cosmovisão cristã.
Ela estudou com Francis Schaeffer em L’Abri, na Suíça, e posteriormente fez o
curso de mestrado no Seminário Teológico Covenant. Mais tarde ela continuou
os seus estudos de pós-graduação nas áreas de história e filosofia no Instituto
para Estudos Cristãos, em Toronto, no Canadá. Charles B. Thaxton, por sua
vez, obteve os graus de bacharel e mestre em química na Universidade Tecnológica
do Texas e mais tarde o grau de Ph.D. em química na Universidade
Estadual de Iowa. Ele ainda realiza estudos de pós-doutorado nas áreas de
biologia molecular e história e filosofia da ciência em duas importantíssimas
universidades americanas: Brandeis e Harvard. Ambos os autores são altamente
qualificados para escrever sobre o assunto e trabalham juntos no Discovery
Institute (Instituto Descoberta), uma entidade cristã norte-americana.
O livro A alma da ciência faz parte de uma série maior sobre cosmovisão
cristã, que vem sendo publicada pela Crossway Books nos últimos anos. O
objetivo principal dessa série é abordar assuntos que apresentam aparentes
dificuldades entre a fé cristã e os acontecimentos diários, especialmente como
eles são apresentados pela mídia e a comunidade científica. Em seu livro,Piercey e Thaxton se esforçam para apresentar aos cristãos uma parte de sua
rica herança intelectual. Nessa abordagem, eles procuram
reconhecer mais prontamente a influência do cristianismo na ciência. Até a virada
do século 19 para o século 20, o cristianismo era a influência intelectual predominante
na maior parte das áreas da vida e da cultura no Ocidente (p. 10).
Somente após o surgimento do Iluminismo “é que a fé cristã perdeu sua
influência mais expressiva como uma convicção pública e comum e retirou-se
para a esfera da crença particular e individual” (p. 11). Quando isso aconteceu,
as pessoas passaram a interpretar a fé cristã como um fator apenas pessoal e
privativo, cuja relevância limita-se à adoração ou à luta individual contra a
ansiedade interior.
A fim de atingir o seu objetivo principal, os autores estruturam a sua
obra em quatro partes. Na primeira delas eles fazem um esboço histórico do
desenvolvimento intelectual europeu, especialmente em relação ao “avanço”
científico, desde a Idade Média até o Iluminismo, ou seja, as raízes intelectuais
das abordagens científicas modernas. A principal característica desse período é
que as pressuposições metafísicas do cristianismo serviram como fundamento
para as primeiras pesquisas científicas, bem como para a categorização do
fenômeno natural. Essa categorização se fez possível porque o mundo era interpretado
como um universo que seguia uma ordem estabelecida, criada por
um Deus racional. Em outras culturas não-cristãs daquela época, o fenômeno
natural era visto como sendo governado pelo capricho de várias divindades.
Isso explica a razão pela qual, em algumas culturas, certas manifestações da
natureza como terremotos, enchentes e outras catástrofes não eram encaradas
com a metodologia de análise do fenômeno, a formulação de hipóteses, a observação
seguida pelo experimento, a interpretação dos dados e a formulação
de conclusões explicativas.
A principal tese dos autores nesta primeira parte é que a condição intelectual
necessária para a aplicação e prosperidade do método científico implicava
na crença cristã em um único Deus imutável e fiel. Segundo esse argumento,
“o monoteísmo da Bíblia exorcizou os deuses da natureza, libertando a humanidade
para desfrutá-la e investigá-la sem medo. Somente quando o mundo
deixou de ser um objeto de adoração é que pôde tornar-se um objeto de estudo”
(p. 24). Contudo, apenas uma perspectiva monoteísta da divindade não garante
o sucesso dos pressupostos da investigação científica.
Para que se torne um objeto de estudo, o mundo deve ser considerado um lugar
onde os acontecimentos ocorrem de modo confiável e regular – o que também
foi um legado do Cristianismo. Enquanto o paganismo ensinava a existência
de uma profusão de deuses imanentes, o Cristianismo ensinava a existência de
um único Criador transcendente, cuja obra criativa é um universo unificado e
coerente (p. 24).
Assim, a idéia da ordem e coerência do fenômeno natural baseia-se não
apenas na crença na existência de um Deus, mas também nos atributos e no
caráter desse Deus. Somente o Deus fidedigno das Escrituras poderia proporcionar
confiabilidade ao método científico moderno.
Na segunda parte do livro, os autores realizam um excelente trabalho ao
abordarem a influência da filosofia grega sobre a cosmovisão cristã. Essa influência
pode ser compreendida a partir de três escolas filosóficas: o aristotelismo
(Aristóteles), o neoplatonismo (Plotino) e a tradição mecânica (Arquimedes). De
acordo com essas tradições, o universo deveria ser analogamente interpretado.
Primeiro ele deveria ser visto como um vasto organismo, arquitetado por uma
Mente superior (p. 68-71). Em segundo lugar, o mundo foi comparado a um
organismo imbuído com uma vida (ou alma), pois
enquanto a tradição cristã aristotélica enfatizava a racionalidade de Deus, a tradição
neoplatônica ressaltava o seu espírito que habitava no interior da matéria,
trabalhando dentro dela e por meio dela (p. 71).
A última analogia empregada foi a de uma gigantesca máquina, rejeitandose
assim em absoluto a metáfora orgânica.
O que impressionava os cientistas que trabalhavam dentro da tradição mecanicista
era a regularidade, a permanência e a previsibilidade do universo. Deus
era visto como o “Grande Engenheiro” (nas palavras de Mersenne), que havia
criado o universo como um relógio gigante (p. 79).
Com o passar do tempo essas tradições filosóficas foram adotadas sincretisticamente
por alguns cientistas, produzindo perspectivas híbridas. Newton é
um bom exemplo dessa sistematização híbrida do método científico.
Muitos dos grandes debates filosóficos durante o Iluminismo tiveram a sua
origem na tentativa de conciliar as escolas filosóficas gregas com a perspectiva
cristã teísta. Por exemplo, o fundamentalismo de Descartes gerou algumas das
reações céticas de Hume, bem como a crise epistemológica expressada por Kant.
O que permaneceu, porém, foi um abismo que exclui Deus das investigações
naturais, pois se as leis da natureza são internamente consistentes e suficientes
para a investigação científica, quem precisa de Deus? Qual é o espaço deixado
para ele operar no cosmos? A existência ou não de Deus tornou-se uma questão
imaterial, pertinente ao campo da fé, uma vez que a base do conhecimento
científico foi interpretada como que residindo nas leis fundamentais da natureza.
Dessa forma, a tradição mecânica tornou-se sinônimo da epistemologia empírica,
ou seja, todo o conhecimento tem a sua origem na experiência sensorial.
As outras tradições de busca do conhecimento e da verdade passaram a ser
identificadas com especulações religiosas ou filosóficas e foram relegadas ao
campo do interesse individual, limitando-se assim a sua relevância.
As partes três e quatro ocupam o restante do livro. A primeira delas aborda
a ascensão e a queda da matemática e a segunda trata de questões relacionadas
à relatividade, teoria quântica e as pesquisas que envolvem o DNA. No momento
em que os autores abordam as recentes descobertas em relação ao DNA,
eles abandonam momentaneamente o tom confiante apresentado enquanto
escreviam sobre o desenvolvimento da história da ciência. Nesse momento, a
obra assume aspectos de um livro-texto de ciências. O mais difícil é o capítulo
sobre teoria quântica, pois há muita coisa sobre o assunto para ser coberta em
tão pouco espaço e o leitor leigo pode ser tentado a fazer uma leitura dinâmica
dessa parte. O que evita o desespero nesse capítulo são as ilustrações, bem
aplicadas pelos autores.
O último capítulo do livro aborda a segunda revolução científica e revela
uma tendência dos autores em favor da teoria do “projeto inteligente”
da criação. Essa tendência, todavia, não se parece nem de perto com a tese
defendida por William A. Dombski, em seu livro Inteligent design (Downers
Grove: InterVarsity Press, 1999), através da qual ele reconhece um projeto
inteligente na criação sem qualquer referência ao teísmo bíblico. No livro A
alma da ciência, os autores utilizam as inúmeras informações encontradas nas
pesquisas com o DNA como argumento apologético em prol da existência de
Deus. Segundo os autores,
A revolução do DNA confirma a convicção aristotélica de que a estrutura e
o desenvolvimento orgânico podem ser atribuídos a um padrão ou plano interno
inteligível – identificado, agora, como a mensagem codificada presente
na molécula de DNA. Os criacionistas levam essa idéia ainda mais longe e
argumentam que um padrão inteligível é prova de uma origem inteligente. A
existência de moléculas que contêm informações tornou-se a base para uma
nova versão da argumentação antiqüíssima em favor da criação propositada
(p. 290).
Dessa forma, a molécula se transformou em uma mensagem em prol da
existência do Deus sábio e todo-poderoso.
Concluindo, se o leitor estiver interessado em aprender mais sobre o desenvolvimento
científico no Ocidente, bem como sobre os pressupostos filosóficos
por detrás do mesmo, A alma da ciência é um livro excelente. Contudo, se
estiver interessado em uma obra que procura reconciliar as complexas questões
entre a fé cristã e a filosofia natural, ele provavelmente ficará decepcionado.
O livro apresenta um excelente resumo das pressuposições científicas que têm
desafiado os cristãos nos últimos 300 anos. A prática científica nunca ocorreu
em um vácuo filosófico e religioso. Assim, os cristãos podem se manter firmes
e não precisam se deixar intimidar por crerem na existência de uma realidade
além dos “fatos cientificamente observáveis”.
Este livro auxilia não apenas os cristãos nos colégios e universidades,
mas também os pais interessados em compreender melhor algumas falácias
das reivindicações científicas, podendo com isso discipular os seus filhos com
maior eficiência. Certamente ele deveria fazer parte da categoria de “livros
de cabeceira”.

http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XI__2006__1/valdeci_01.pdf
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XI__2006__1/valdeci_01.pdf

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